Quarto de Despejo | Carolina Maria de Jesus

  • 8/02/2020 10:55:00 AM
  • By Pastel Escritor
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Ela sabe que aqui na favela não pode alugar barracão. Mas ela aluga. É a pior senhoria que eu já vi na vida. Por que será que o pobre não tem dó do outro pobre?


Já fazia algum tempo que Quarto de Despejo: Diário de uma favelada - publicado em 1960 - estava na minha meta de leitura, e não é por ser um livro popular, entrei em contato com ele pela primeira vez na universidade e desde então passei a conhecer um pouco mais sobre a autora, Carolina Maria de Jesus. Uma mulher que se tornou referência, como uma das primeiras escritoras negras do país.

Ontem eu comprei açúcar e bananas. Os meus filhos comeram banana com açúcar, porque não tinha gordura para fazer comida. Pensei no senhor Tomás que suicidou-se. Mas, se os pobres do Brasil resolver suicidar-se porque estão passando fome, não ficaria nenhum vivo.

Esse diário publicado em forma de livro é de uma humanidade tamanha, que é difícil explicar. Seria muito complexo expressar em palavras o que o diário da Carolina conseguiu passar, eu poderia dizer que a fome é o plano de fundo desse livro, mas na verdade ela é o personagem principal, sempre presente, sendo uma eterna lembrança da realidade. 



De onde eu venho, não é muito difícil me identificar com algumas situações, como não saber como será o dia de amanhã, ou a constante lembrança de que as políticas públicas poucas vezes são feitas para melhorar a vida do pobre. 

O diário de Carolina é uma representação do dia a dia, sobre os seus vizinhos, sobre as grandes empresas e sobre os políticos que visitam a favela e fazem promessas. Sobre como criar os filhos em condições sub humanas, sobre a sobrevivência um dia sem saber se no dia de amanhã vai ter o que comer, ou vestir.  

A verdade está bem ali, nua e crua. A violência, nem sempre física, mas a que vem sorrateiramente e deixa marcas difíceis de lidar. Essa edição se aproxima dos diários originais, com os erros de ortografia que de forma alguma reduzem toda a complexidade da obra. 


As relações presentes no livro, da Carolina com os filhos, os vizinhos, os conhecidos me remete ao tema do sofrimento e solidão da mulher negra. Ela sabe como as coisas funcionam, tem consciência de como as pessoas e o mundo a enxergam, tanto a sua cor, assim como seu corpo. Muitas situações e questões podem parecer absurdas para quem está do lado de fora, mas aqui observamos como é recorrente. 

Podemos ver que apesar de anos se passarem, a narrativa termina com mais um dia, onde a Carolina está indo buscar água, a vida seguiu e as coisas não ficaram mais fáceis, elas simplesmente continuou caminhando. Aqui nós ficamos sabendo como o seu diário foi publicado, quem verdadeiramente deu apoio para que ela ganhasse voz, assim como por muitos seu trabalho foi rejeitado, como o preconceito foi um fator marcante pois por causa de sua cor muitos a rejeitaram. 

E por inúmeros motivos essa obra se mostra atemporal, muitas das situações apresentadas são reais ainda nos dias de hoje, as pessoas só mudam de nome e endereço, as vezes nem isso. O cenário político não parece tão distante visto de mais perto, bem como a forma como ele funciona, sendo benéfico apenas quando convém. 

Se ainda não conhecia essa história, lhe garanto que vale a pena!

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